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Na Medida

Edição 5 - setembro de 2017

Artigo
A regulação social da segurança de produtos do Brasil
PEDRO BROWN
Divisão de Vigilância de Mercado (Dconf/Divig)

Pedro Brown

Os registros históricos mostram que a tradição regulatória se adaptou a vários fins e propósitos diferentes. A regulação serviu como uma ferramenta versátil utilizada várias vezes por reformistas, gerentes de negócios, burocratas e advogados, muitas vezes sendo manipulada por grupos de interesses especiaisi.

Na regulação há delegação de competências para uma instituição executar atividades de legislativo, executivo e judiciário. A regulação pelo poder público pode servir para corrigir falhas de mercado ou monitorar setores considerados estratégicos. Trabalha com temas cada vez mais difusos: Direito, Política, Engenharia, Economia, Ciência, etc.

As funções do regulador seriam garantir funcionamento, coibir comportamento monopolista, zelar por qualidade, impedir discriminações injustas e estimular eficiência e progresso técnico. Mas essas funções trazem problemas como assimetria de informação entre regulador e regulado, tendência a privilegiar escolhas tecnológicas mais capital-intensivas, pressões e captura de governo, firmas reguladas, grupos de consumidores.

Ao longo do tempo a regulação tem exercido não apenas tarefas econômicas, mas também políticas, legais e culturais. Dentre as várias funções para as quais a regulação foi utilizada estão:

  1. Proteção e cartelização de indústrias (Interstate Commerce Commission – ICC; Federal Communications Commision – FCC);
  2. Contenção do monopólio e oligopólio (Federal Power Commission – FPC; Federal Trade Commission – FTC);
  3. Promoção da segurança para consumidores e trabalhadores (Consumer Product Safety Commission – CPSC; e Occupational Safety and Health Administration – OHSAS).

Nos EUA, a responsabilidade pela regulação da maioria dos produtos de consumo cai sob os ombros da Consumer Product and Safety Commission (CPSC). Assim como no Brasil, o sistema é complementado pela atuação da Food and Drugs Administration (FDA), nos casos de remédios e alimentos, da Federal Communications Commission (FCC), nos casos de equipamentos de telecomunicações, e da National Highway Traffic and Safety Administration (NHTSA), nos casos de produtos automotivos.

A existência de todos esses órgãos reguladores, que assumem simultaneamente as funções legislativas e executivas, é explicada porque o poder legislativo considerava, em muitos casos, que as funções designadas aos órgãos reguladores eram essenciais, mas muito difíceis de serem executadas pelas instituições governamentais já existentes. Dado que os legisladores não queriam carregar o fardo de executar a regulação desses setores sozinhos, eles repassaram a responsabilidade para agências especializadas.

Na década de 30, nos Estados Unidos da América, havia uma convicção formada entre os políticos de que, se os mecanismos de mercado fossem deixados livres, eles produziriam injustiça e até ineficiência generalizadas. Portanto, acreditava-se que o governo federal deveria ser ativo na proteção do interesse público e na promoção do desenvolvimento.

Esses ativistas políticos então promoveram a criação de várias agências independentes: a Securities and Exchange Commission (SEC), similar à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no Brasil, a Federal Communications Commission (FCC), similar à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Civil Aeronautics Board (CAB), hoje extinta, similar à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e outras. O que todas essas agências têm em comum é uma comissão que gerencia e toma as decisões de forma colegiada. Esse modelo foi adotado pelo Brasil quando da criação das agências reguladoras.

Décadas depois, nos anos 1960 e 1970, uma nova geração de ativistas políticos abraçou a ideia de que muitas das agências independentes criadas nos anos 1930 tinham sido capturadas pelos próprios setores que deveriam regular. Como resultado desse novo entendimento, um movimento curioso emergiu: de um lado, a regulação de setores da economia; de outro, a criação de novas leis com amplas proteções sociais e ambientais.

Essas novas leis não deveriam ser aplicadas por agências, comandadas por colegiados, com amplos poderes, mas sim por entidades administrativas presididas por um agente apontado pelo executivo, mas com mandatos muito estritos a respeito do que poderiam e deveriam fazer.

Considerando que as características intrínsecas das indústrias muitas vezes moldam a ação governamental, estudantes de regulação encontraram que, muitas vezes, a mesma forma de estrutura regulatória foi aplicada para setores industriais muito distintos. Os colegiados, indicados pelo executivo, formados por especialistas em seus campos de atuação, pecavam por não ter a mesma diversidade das indústrias. Os erros históricos e um modelo foram sendo replicados para outros. Reguladores prestavam mais atenção em processos administrativos do que na formulação de estratégias para os setores regulados.

Apesar das diferentes características de cada setor industrial e do modelo de escolha de estrutura, vários trabalhos empíricos mostram que existe um processo de homogeneização dos órgãos públicos através do conceito de isomorfismo.

No Brasil, existem diversas leis e vários órgãos que atuam na área de segurança de produtos. Dentre eles, podemos destacar a Anvisa, que é responsável por regular o mercado de medicamentos, alimentos, entre outros; a Anatel, responsável por regular dispositivos de telecomunicações; o Denatran, que possui competência na área automotiva, e o Inmetro, que atua como regulamentador suplementar quando não há outro órgão que detenha competência específica exclusiva para um determinado produto ou serviço.

A regulação social exercida pelo Inmetro tem sido cada vez mais considerada de suma importância, não só pela questão da proteção da segurança dos consumidores, mas também pelo grande impacto que possui nas relações comerciais.

Comparando o modelo brasileiro com o modelo americano, podemos diferenciar dois tipos de reguladores. O primeiro, as Comissões, são independentes e possuem amplo mandato para atingir seus objetivos institucionais. Foram criados numa época em que a regulação estatal era vista como fundamental para evitar ineficiências e injustiças criadas pelo livre mercado. O segundo tipo são as órgãos do executivo, com mandatário único, mas que devem apenas implementar políticas detalhadamente estabelecidas pelo Congresso. Essas agências seriam mais previsíveis e estariam menos propensas à captura regulatória.

O Inmetro, órgão sob o qual recai a responsabilidade pela regulação da segurança de produtos infantis, vestuário, têxtil, móveis e mobiliários, eletrodomésticos e eletroeletrônicos, utensílios para uso doméstico, produtos recreativos e desportivos, produtos para segurança e proteção contra incêndios, produtos para construção civil, instrumentos de medição e produtos pré-medidos, não é nem uma coisa nem outra.

Enquanto sua forma original, promulgada através da Lei 5.966/73, continha uma separação entre Conselho e Administração, nas formas do Conmetro e do Inmetro, sendo um responsável pela regulação e outro pela execução, hoje em dia essa separação não existe mais.

Desde a promulgação da Lei 9.933/99, o Inmetro recebeu plenos poderes para regular, esvaziando a importância do Conmetro e, simultaneamente, concentrando na figura de seu presidente as competências necessárias para legislar, consentir, fiscalizar e sancionar todas as empresas que estejam sujeitas aos seus regulamentosii.

No Brasil, há quatro sistemas regulatórios com grande impacto na agenda de comércio exterior, a saber: (i) Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (SINMETRO); (ii) Sistema Nacional de Vigilância Sanitária do Brasil (SNVS); (iii) Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (SUASA); e (iv) Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA).

A estruturação desses sistemas poderia ter trazido mais coerência e convergência às práticas regulatórias do Brasil, mas isso não ocorreu. O que se observa é que cada sistema foi se diferenciado cada vez mais um do outro.

No caso dos Estados Unidos da América, as agências reguladoras e os departamentos são as autoridades que detêm a competência de regular as atividades de determinado setor da economia, por meio da emissão de normas e de regulamentos, cujo cumprimento deve ser observado em todo o território nacional. Tanto que em questões relativas ao Acordo sobre Barreiras Técnicas (TBT) e às Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS), da Organização Mundial do Comércio (OMC), as principais agências e departamentos responsáveis são o Instituto Nacional de Normas e Tecnologia - National Institute of Standards and Technology (NIST), a Administração de Alimentos e Drogas - Food and Drug Administration (FDA), o Departamento de Agricultura - U.S. Department of Agriculture (USDA), a Agência de Proteção do Meio Ambiente - Environmental Protect Agency (EPA), a Comissão de Segurança de Produto do Consumidor - Consumer Product Safety Commission (CPSC), e a Admistração de Saúde e Segurança Ocupacional - Occupational Safety and Health Administration (OSHA).

Quando se analisa a questão da escolha estrutural dos quatro sistemas acima descritos, observamos a disparidade entre o nível hierárquico dos órgãos reguladores: a Anvisa tem um amplo mandato regulador, apesar de estar vinculada ao Ministério da Saúde. Já o Inmetro está vinculado ao Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços e, por ter sido criado anteriormente, não foi afetado pela reforma administrativa da década de 1990. É órgão executivo que, a despeito de não ter sido transformado em agência reguladora, exerce a competência de criar regulamentos técnicos e exigir seu cumprimento por meio do exercício do poder de fiscalização e de polícia administrativa.

Pontos relevantes para o comércio internacional se impõem como: por qual motivo não foi o Inmetro transformado em agência reguladora e recepcionado como tal quando da Reforma do Estado? (...) Ao não receberem os poderes inerentes aos de agências reguladoras, tais autarquias podem não reunir poderes de imposição de suas determinações, necessitando de legislação ou contratos de gestão adaptados cada vez que seu mandato é alterado. Em linguagem da OMC, podem ser considerados órgãos sem dentes!

A conclusão a que chegaram os negociadores internacionais é de que não basta despender esforços nas negociações de barreiras tarifárias. Para ter acesso livre a mercados, a discussão de barreiras técnicas, sanitárias e fitossanitárias é de suma importância.

Portanto, comparando o modelo americano, onde uma agência reguladora governada por uma comissão bipartite toma as decisões relativas à regulação social de produtos, inclusive com grande impacto no comércio exterior, com o modelo adotado no Brasil, de órgão regulador presidido por um mandatário do Presidente da República, sem garantias de estabilidade na função, pode-se observar que há espaço para alterações na esturura do Inmetro.

O Estado fundamentalmente se preocupa com o bem-estar dos cidadãos. Daí advém a preocupação em garantir a segurança de produtos. Como efeito colateral positivo, esta política atua no sentido de minimizar o custo social das consequências dos acidentes de produtos de consumoiii.

A diminuição do número de mortes causadas por produtos de consumo, assim como a redução da gravidade das lesões causadas, pode ser atingida caso o Estado dedique-se adequadamente a esta questãoiv.

A regulação social da segurança de produtos, seja no Brasil ou no exterior, é assunto transversal, que impacta diretamente diferentes setores da economia.

Mesmo que ainda existam discussões a respeito das vantagens e desvantagens da regulação econômica, países liberais ou não adotam formas de regulação social bastante amplas. Essas mesmas formas devem ser adotadas pelo Brasil como maneira de equilibrar o mercado interno com o mercado externo.

O Brasil não possui uma Política Nacional de Segurança de Produtos, pois, como dito anteriormente, as responsabilidades estão dispersas em vários órgãos. O CDC estabelece diretrizes gerais, assim como o faz a União Europeia através da Diretivas Gerais de Segurança de Produtos (DGSP), porém nos falta a operacionalização destas diretrizes.

Uma possibilidade seria ter um órgão executivo, sem grandes poderes regulatórios, para implementar a Política Nacional de Segurança de Produtos que fosse definida pelos legisladores, entretanto, essa não parece ser a saída mais adequada, uma vez que a regulação técnica é assunto extremamente específico, que necessita de profissionais de formação adequada, e que está em constante mudança, tanto por necessidade de convergência com padrões internacionais quanto por necessidade de adaptação às constantes inovações trazidas pela indústria ao mercado.

Thorstensen (2017), nesse sentido, assenta:

Em suma, a evolução da política regulatória no Brasil sempre se concentrou no seu aspecto interno com metas de atender apenas aos interesses domésticos do país, não contemplando seus impactos no comércio exterior. Como tal, acaba sendo capturada por pressões para proteger o mercado interno do país, não ultrapassando as exigências das fronteiras nacionais. A importância do comércio externo, nos dias atuais, e o papel central da regulação na área do comércio internacional impõem urgente discussão do tema em todos os níveis dos interesses afetados, seja do governo, seja do setor privado.

É tempo de o Brasil sair da sua política tradicional de negociar e fazer comércio internacional e isso só será concretizado se modernizar seu discurso e sua atuação na área da política regulatória.

Tendo em conta os conceitos de isomorfismo normativo e mimético, parece razoável que o Inmetro busque alternativas similares às agências reguladoras, criadas no âmbito da reforma administrativa do Estado brasileiro, baseada no New Public Management.

As agências reguladoras brasileiras são os órgãos que mais se aproximam das características desejáveis preconizadas na literatura acadêmica: autonomia financeira e gerencial, transparência, prestação de contas, competência definida e excelência técnica.

Portanto, ao realizar a reforma do Estado, o Brasil, deveria ter adotado o modelo de agências reguladoras, baseado nas Comissões americanas, também para o órgão regulador de segurança de produtos.

 


  • i MCCRAW, Thomas K. Prophets of regulation. Harvard University Press, 2009.
  • ii BRASIL. Lei N.º 5.966, de 11 de dezembro de 1973, da Presidência da República. Institui o Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 12 dez. 1973.
  • iii THORSTENSEN, Vera; FERRAZ, Lucas. VOLUMES I, II, II e IV. 2017.
  • iv OCDE. Analytical report on consumer product safety. DSTI/CP(2008)18/FINAL. Paris. 2009.
  • v CPSC. Consumer Products. Disponível em <http://www.nano.gov/node/139> Acesso em 20 de fevereiro de 2016. 2016.

 

 


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